O investimento do Nexo Jornal em inteligência de mercado e diversificação de receitas
Lançado em novembro de 2015, o Nexo Jornal encontrou uma demanda no mercado que não estava diretamente ligada a um nicho temático, mas sim a uma lacuna de cobertura: o jornalismo de contexto. Seu foco não está na cobertura hard news, mas na qualificação do debate público, com conteúdos explicativos e interativos, diversificação de linguagens narrativas e o uso intenso de dados estatísticos.
Características que renderam ao veículos diversos reconhecimentos ao longo desses quatros anos de funcionamento. Em 2018, o Nexo venceu o prêmio LATAM Digital Media Awards como “melhor site ou serviço mobile de notícias”, principal categoria da competição. No ano anterior, ele já havia sido o primeiro veículo brasileiro a ganhar o Online Journalism Awards na categoria “excelência geral em jornalismo on-line – pequenas redações”.
Com sede em São Paulo, o veículo teve como aporte inicial recursos próprios de seus três cofundadores: Paula Miraglia, Renata Rizzi e Conrado Corsalette. Além disso, a estruturação de seu modelo de negócio foi desenhada com foco em assinaturas. Sem publicidade no site, o jornal dá acesso a 5 conteúdos livres por mês antes do leitor atingir o paywall.
Assim como outras iniciativas nativas digitais, a decisão por não dar espaço a anunciantes demandou uma diversificação de modelos de negócios.. Além das assinaturas, que configuram o core business da iniciativa, o jornal também possui outras fontes de receita, como a consultoria N Fatorial, a plataforma NexoEDU e os cursos livres da Escola N.
Além disso, mais recentemente o veículo recebeu um apoio de US$ 920.000 da Luminate, organização filantrópica global que faz parte do Omidyar Group. Aporte que será investido no aperfeiçoamento do sistema de assinaturas e em melhores estratégias de retenção de clientes, segundo os fundadores.
Em entrevista ao Farol Jornalismo, em junho de 2019, Miraglia anunciou que o Nexo está perto de alcançar o break even (o ponto de equilíbrio entre as despesas e receitas de uma empresa). Outra novidade é o lançamento da Gama, revista digital que inaugura o espaço de outras publicações do Grupo Nexo. E que vai focar no segmento de comportamento, como temas como cultura, identidade e estilo.
Cofundadora e CEO do Nexo, a antropóloga Paula Miraglia fala sobre como a diversificação de receitas faz parte do DNA do jornal, contextualiza parcerias recentes do veículo e analisa algumas decisões estratégicas tomadas pela diretoria durante os últimos quatro anos.
Apesar das assinaturas serem a estratégia principal de financiamento do Nexo, vocês também tem outras fontes de receita, como a Escola N e a N Fatorial. A diversificação de receitas é uma aposta do veículo?
Primeiro, a gente é um veículo baseado em assinaturas. E esse é um conceito importante para pensar tanto o modelo editorial quanto o modelo de negócio. Isso é uma coisa que a gente está pensando o tempo todo conjuntamente porque tem implicações no sentido de quais são nossos incentivos, que tipo de conteúdo a gente quer produzir, como a gente pensa a nossa relação com a audiência. Não somos um jornal que estamos atrás de clique. A gente quer produzir conteúdos que sejam capazes de converter assinantes, e isso também impactou na nossa decisão de não ter publicidade.
Desde o começo, isso nos mostrou que o Nexo era uma empresa que precisava ter uma diversidade de fontes de receita. Nosso core business são as assinaturas, mas temos uma diversidade de fontes de receita. O que é importante para nós é que decidimos que, nessa diversificação de fontes, todas as coisas tinham que ter muita afinidade com a missão e a visão do jornal. A N Fatorial por exemplo é uma consultoria de estratégia digital que atende só clientes sem fins lucrativos. A Escola N tem um cardápio de cursos que dialogam com a ideia de curadoria do jornal e com o temas no mesmo olhar que a gente adota no Nexo. Quando a gente fala de licenciamento de conteúdo para livros didáticos, tem uma coisa que está muito ligada a vocação que a gente acha que os conteúdos que a gente produz têm. Então são projetos que fazem sentido dentro da nossa visão. Esses negócios todos fazem parte do nosso projeto inicial do ponto de vista de modelo de negócio, mas eles são pensados de acordo com a nossa visão para a empresa.
E isto está relacionado também com o lançamento da nova publicação?
A Gama é uma outra publicação. Que é do mesmo grupo do Nexo. A gente tem um monte de assuntos, de formatos, de jeitos de pensar o mundo que não são abordados no Nexo. E existia a vontade de falar desses outros assuntos. Numa reflexão parecida com a que tivemos no jornal, avaliamos que ainda não temos esse produto no mercado. A gente viu uma oportunidade de repensar o que é uma revista digital. A gente acha que isso reforça nosso lugar no mundo. Somos um grupo que tem publicações digitais. A estratégia passa por aí também.
Claro que o nome do Nexo é o primeiro, porque é mais forte. As pessoas associam isso e tudo bem, por que somos o mesmo grupo, adotamos os mesmos princípios, como pensamos produtos editoriais e o próprio jornalismo. Tudo isso está presente em todas as publicações.
“Apesar de sermos uma redação pequena, a gente pode inovar e experimentar muito. E eu sinto que isso é uma cultura que muita gente tem aqui: a capacidade de diálogo constante para trazer para mesa novas ideias”
Em 2019, o Nexo anunciou uma parceria com a empresa de tecnologia 99 para a realização de um prêmio de jornalismo. Também foi lançado uma edição do podcast Como Começar com o apoio do Itaú Cultural. Além de uma parceria de assinatura com o The New York Times. Quais as estratégias por trás dessa aproximação com parceiros?
Eu acho que são coisas muito diferentes. O NYT é um veículo, o maior jornal do mundo, o primeiro a apostar de maneira radical no modelo de assinaturas. Tem muita convergência com o que a gente faz. Então fizemos uma parceria comercial de venda de assinatura que agrega muito valor a nossa marca. Não se trata de uma parceria de aproximação com uma marca. Eles já fazem essa parceria em outros países, com outros veículos, a assinatura combinada tá no mercado já.
O caso da parceria com o Itaú Cultural é outro. O Como Começar é um produto que a gente já tem. E nossos podcasts são conteúdos que não são monetizados pelo paywall, são abertos a todos. Então para podermos seguir produzindo esse tipo de conteúdo 100% gratis, ele precisa ser monetizado de alguma maneira. O patrocínio é uma forma de fazer isso. Fomos nós que pensamos na proposta do “Como começar a ler para crianças”. Era uma proposta nossa, com total liberdade editorial. Nesse tipo de parcerias, o desenho é totalmente nosso. Depois da ideia inicial, a gente que foi procurar o Itaú. Eles tem um projeto super sério e robusto de leitura para criança, então nós vimos uma convergência de valores. A ideia não era se aproximar de uma marca. A gente tem um ator, uma fundação, que tem um trabalho super sério. Temos um produto que a gente gosta e a nossa audiência valoriza. E tivemos a oportunidade de fazer uma série em conjunto.
Com a 99, aí é um outro approach. A ideia de formação de jovens jornalistas é uma coisa que está no nosso planejamento. A gente tem um programa de diversidade que vamos lançar na redação. É uma formação de 10 meses para jovens jornalistas negros. Também estamos discutindo um projeto de formação para jovens jornalistas no campo da divulgação científica. A gente tem uma leitura, por feedbacks em festivais, encontros, que a gente criou uma linguagem, um jeito de fazer que não necessariamente é ensinado nas universidades. É um investimento nosso em sistematizar e difundir nosso conhecimento, essa característica única que a gente criou todo mundo junto aqui dentro do Nexo. E para poder viabilizar isso, a gente teve um apoio de uma marca. Foi um projeto produzido conjuntamente.
Então, acho que não temos hoje uma aproximação com marcas. Temos projetos que queremos desenvolver. Em relação aos produtos que são abertos, não são monetizados com o paywall, a gente quer poder continuar produzindo, investindo no aperfeiçoamento desses conteúdos. Precisamos monetizá-los para mantermos eles acessíveis. Essa é uma abordagem.
A outra são projetos que tem uma cara mais institucional. Então, formação é uma coisa que a gente tá querendo investir. Seja porque nosso público é jovem, qualificado, porque ele compartilha de uma visão idealista, acredita no bom jornalismo. A gente vê um canal de diálogo enorme por aí. Nós já fomos procurados por outras marcas, para fazer outras coisas que não faziam sentido pra gente, e aí a gente abriu mão. Ter um diálogo muito explicito com a visão do jornal é essencial.
Estas novas estratégias de negócio, parcerias, projetos editoriais e institucionais, demandam uma revisitação constante de planejamento do negócio. Como isso é feito no Nexo?
São duas coisas combinadas. Somos uma organização jovem, mas já temos muitos procedimentos formalizados. Temos um manual de redação, manual de tecnologia, de design. Isso são decisões que demandam tempo e que a gente vai criando e recriando. No nível de planejamento estratégico, a gente faz todos os anos um seminário pra apresentar aos funcionários sobre algumas mudanças e projetos pensados para aquele ano. Estamos sempre em contato com a equipe, por mais se seja algo que é planejado pela diretoria. Até porque são estratégias que incluem nossas apostas de receita, em que área de trabalho será alocado o projeto. como vamos organizar a equipe. Tem um super trabalho de planejamento nosso, que é sempre revisitado. Algumas coisas são apostas, algumas aparecem no caminho e a gente não tava esperando. Tem ideias que a gente teve de um dia pro outro. E essa é hoje nossa vantagem competitiva. Apesar de sermos uma redação pequena, a gente pode inovar e experimentar muito. E eu sinto que isso é uma cultura que muita gente tem aqui: a capacidade de diálogo constante para trazer para mesa novas ideias.
Durante estes quatro anos de funcionamento, quais estratégias deram e não deram certo?
Que deram certo são várias coisas. Primeiro, o próprio Nexo. Tínhamos muitas experiências bem sucedidas no Brasil de iniciativas nativas sem fins lucrativos. Mas pretendíamos lançar uma empresa de jornalismo. Era uma aposta bem grande: montar uma redação com profissionais, todos em regime CLT, sem publicidade no site, só por assinatura, que não se pautava pelo breaking news, que não ia trabalhar com furo. Tudo isso é bastante inovador. Além de ser nativo digital, também tinha toda uma inovação no que se referia ao que é o próprio modelo de jornal.
Minha avaliação é que, pelo lugar que a gente ocupa hoje no ecossistema, seja pelos prêmios que ganhamos, seja pela equipe que a gente montou, podemos dizer que sim, o Nexo deu certo. Também tivemos outras apostas menores que foram inovadoras e bem sucedidas. Apostamos na ideia de newsletter desde o começo, por exemplo. Hoje existem muitas newsletters, alguns veículos são só newsletter, inclusive. O Nexo diversificou bastante este instrumento, nossas taxas de aberturas são super boas, e elas são instrumento de relação muito importante com nossos leitores e assinantes.
Também conseguimos identificar alguns pontos de fragilidade. Por exemplo, fazer campanhas institucionais para a marca. Nós nunca fizemos um investimento sistemático em publicidade, em marketing para o Nexo. É uma coisa que está no nosso foco agora, que estamos investindo. Outro ponto que estamos revisitando agora é a estratégia do NexoEDU. É uma iniciativa nossa que não correspondeu às nossas expectativas em termos de comportamento como produto. Ele ainda está rolando, mas é uma estratégica que precisamos reavaliar, para entender o real potencial.