Como a academia e o empreendedorismo se unem na experiência do Farol Jornalismo
Projeto iniciado em 2014 pelos jornalistas e professores universitários Moreno Osório e Marcela Donini, em Porto Alegre, a Newsletter Farol Jornalismo (NFJ) é um boletim semanal que traz novidades e tendências da indústria jornalística.
A iniciativa, que nasce como um projeto pessoal dos pesquisadores, que agora também contam com a colaboração de Lívia Vieira, acerta em cheio em unir dois mundos que ainda parecem desconectados para o jornalismo: a academia e o mercado. A criação de uma marca, Farol Jornalismo, amplia o acesso à uma informação que talvez antes ficasse restrita à blogs pessoais de professores ou departamentos de jornalismo.
Além de achar um espaço temático que ainda não estava coberto, o da curadoria jornalística e acadêmica, o Farol explora uma tendência que ganha cada vez mais forma e força no jornalismo digital: o uso de newsletters para distribuição de conteúdos.
Após quatro anos disponibilizando os conteúdos de forma gratuita, a newsletter lançou em 2018 a primeira campanha de financiamento coletivo. Em 2019, os organizadores fizeram uma reformulação no projeto baseada em um questionário enviado aos assinantes e apoiadores. Além das newsletters, que continuam gratuitas, a iniciativa também possui agora conteúdos exclusivos para quem colabora com R$15 ou mais por mês.
O objetivo é remunerar seus colaboradores, pagar a plataforma de envio de newsletters, além de reestruturar um site para abrigar todas os conteúdos produzidos ao longo dos cinco anos de Farol e os produtos fechados à apoiadores.
Professora de publicidade e jornalismo na Faculdade IELUSC, em Joinville (SC), doutora em jornalismo pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e editora do Farol, Lívia Vieira conta nesta entrevista sobre a experiência com a iniciativa, como o feedback dos assinantes foi fundamental para repensar seu modelo de negócio e os ganhos pessoais de empreender no jornalismo digital.
Como o Farol Jornalismo foi inicialmente pensado?
O Farol nasceu com o propósito que se mantém até hoje, que é fazer uma curadoria do que está acontecendo no jornalismo no Brasil e no mundo. Tendo como enfoque coisas inovadoras, coisas interessantes que estão sendo feitas. Hoje temos milhões de coisas circulando, links durante a semana, então era uma maneira de organizar a informação. Mostrar pras pessoas algo que elas não tenham lido direito. Não é só uma curadoria, é uma maneira de analisar, dar sentido às coisas. Foi o próprio Moreno que identificou uma demanda por esse tipo de conteúdo. Era algo que fazia falta pra ele como professor, como jornalista. Lá fora já tinham algumas coisas. Mas aqui não tinha.
É um processo trabalhoso e é importante lembrar que ele foi pensado e produzido por pessoas que dividem seu tempo com outras ocupações. Acho que o segredo do Farol, o que fez com que ele se perpetuasse apesar das dificuldades é a periodicidade. Toda sexta feira, haja o que houver, a gente vai fazer a newsletter. Isso é super importante para um produto assim. Se eu não recebo na minha caixa de e-mail essa sexta, eu já penso que é uma equipe que não leva o trabalho muito a sério. E por muito tempo, fizemos isso sem retorno financeiro algum. Hoje temos a contribuição das pessoas. Acho que chegamos a 1.800 reais no Apoia-se por mês. Mas mesmo quando era de graça, sempre tínhamos essa obrigação.
Antes das campanhas de financiamento, o projeto não dava nenhum retorno em receita?
Nós tínhamos algumas parcerias pagas. A gente faz um projeto especial com a Abraji, por exemplo, que é uma análise todo o fim do ano sobre jornalismo no Brasil no ano seguinte. Com tendências, com previsões. Esse projeto é pago, temos apoio para sua realização. Mas eram coisas esporádicas.
Em 2019, vocês fizeram uma pesquisa com os assinantes da newsletter e também anunciaram uma mudança na estrutura do Farol. Como se deu esse processo de readaptação da iniciativa?
Essa pesquisa foi muito legal. Porque a gente nem esperava que tanta gente fosse responder. A gente achava que quem assinava a newsletter eram mais professores de jornalismo e alunos. Só que não. A pesquisa mostrou que tem muita gente em redações assinando o Farol. Tanto repórteres, quanto editores, gestores. Pessoas que tomam decisão nas redações. Isso fez a gente pensar que nosso produto estava suprindo a necessidade de informação desse público e nós poderíamos aproveitar isso. Até porque nós já estávamos pensando em um crescimento para o Farol.
Então criamos essa nova faixa de apoio, de 15 reais. Quem apoia com 15 reais ou mais têm acesso, além da newsletter (que vai ser sempre gratuita), ao conteúdo do site. O site é uma maneira da gente expandir nossa produção. As pessoas não vão querer ler 30 mil caracteres em uma newsletter. Mas no site você tem mais essa liberdade de fazer algo que seja mais analítico pra quem realmente quer mergulhar em determinado assunto. A gente tem uma base de dados muito grande, são 5 anos. Então também vamos indexar essas newsletters para que as pessoas tenham uma base de dados que elas mesmas podem buscar. Essas análises semanais no site são conteúdos especiais sobre determinados assuntos. As vezes é um relatório novo que saiu, uma pesquisa nova. Só que a gente sempre relaciona com o que já publicamos sobre aquele assunto. E tem também as entrevistas mensais. Criamos uma série sobre inovação das redações brasileiras. Inicialmente, deixamos elas abertas, porque achamos que elas devem circular. Mas também é uma maneira de mostrar pras pessoas o que estamos fazendo. Talvez numa próxima série a gente já feche, para estimular que as pessoas apoiem.
E como foi o retorno dos apoiadores até agora?
Eu acho que nossa campanha do Apoia-se está sendo bem sucedida. Por que o nosso público é muito nichado. Nós passamos quatro anos fazendo de graça e mostrando nosso valor. E agora nós queremos ser remunerados por este trabalho. Isso convenceu as pessoas mais facilmente. Porque a gente já tinha mostrado muita coisa, diferente de um projeto que já começa cobrando. É mais difícil, pois não tem uma agenda construída, um capital social. Isso é um desafio que os nativos digitais enfrentam: como conseguir criar uma base pras pessoas pagarem por esse conteúdo.
“Um retorno importante é a visibilidade que você constrói para sua carreira. O dinheiro é uma forma se você ser recompensado, mas não é a única”
Como essa construção de valor ao longo dos anos de atuação impacta na produção do Farol?
É impressionante como a credibilidade foi construída ao longo dos anos, muito porque nós nos preocupamos com uma informação que é de qualidade. A gente pesquisa muito o que está acontecendo no mundo. Traduzimos do inglês pro português. E não imaginávamos o valor que isso tinha para as pessoas. Quando eu comecei a fazer a news, comecei também a ser convidada para eventos, palestras, e você vê que as pessoas reconhecem que é um trabalho importante. A gente até recebe releases de veículos com algumas novidades. E não era nossa intenção inicial funcionar como uma mídia a ser pautada por esses jornais. Quando o veículo manda, a gente percebe que temos relevância. Para essa série de inovação nas redações mesmo, estamos com uma abertura muito grande, apesar de muitos ainda não conhecerem o Farol. E não é todo veículo que quer falar de estratégia com qualquer projeto. A gente percebe a credibilidade nessa resposta dos veículos, de quererem dar entrevista, falar, por que sabem que vai impactar aquele público.
E isso vira também uma vitrine profissional para os colaboradores, de certa forma?
Claro, eu sempre falo isso. Mesmo se eu não ganhasse nada com o Farol, valeria a pena pelo tanto que ele me deu de coisas pessoais. De conhecimento pessoal enquanto jornalista, professora. É um capital social Incrível. A gente é chamado para eventos sobre inovação, ou então estudantes que estão fazendo pesquisas entram em contato. Nem tudo a gente mede só com dinheiro. Um retorno importante é a visibilidade que você constrói para sua carreira. O dinheiro é uma forma de você ser recompensado, mas não é a única. Claro que se eu não tivesse outras rendas, talvez eu não pudesse fazer isso. Mas nunca vi o farol como um trabalho voluntário. É um investimento pessoal que eu dou muito valor.