Como o JOTA conseguiu ser rentável apostando no jornalismo especializado e na diversificação de produtos

Achar um nicho específico de mercado que demanda um tipo de informação que não está disponível e conseguir oferecer um produto que se adapte às necessidades desta audiência. Esta parece configurar a base fundamental que inspira o desenvolvimento de veículos nativos digitais. 

Veículo focado na cobertura do Poder Judiciário brasileiro, o JOTA é um exemplo de sucesso no casamento dos dois lados. E com um bônus: conseguir achar um modelo rentável para a venda de seu conteúdo. Fundado em 2014, a iniciativa apostou em um modelo de assinaturas corporativas sobre uma temática que recebia pouca atenção dos veículos da imprensa tradicional ou eram tratados de forma superficial e simplificada.

O site aposta em um modelo de assinatura para os conteúdos do site, que possui um paywall semiaberto, mas seu diferencial editorial e financeiro está na venda de pacotes do JOTAPro,  produtos temáticos produzidos pelos repórteres e especialistas em dados que trazem avaliações e previsões mais exclusivas sobre o mundo do poder, e seus impactos financeiros. O que atraiu a atenção de grandes empresas, escritórios de advocacia e outros tipos de investidores. Com clientes dispostos a pagar, e caro, pela informação, o Jota conseguiu alcançar a sustentabilidade financeira apenas um ano após seu lançamento.

O modelo de negócio inovador rendeu ao veículo, em 2019, o prêmio de melhor startup de informação digital no mundo. A iniciativa possui hoje uma redação descentralizada, com cerca de 60 funcionários que estão alocados em Brasília e também em São Paulo.

Um ano depois do lançamento, e como um investimento para o crescimento do veículo enquanto um negócio rentável, os fundadores do JOTA buscaram alguém de fora do universo jornalístico para a gestão administrativa da iniciativa. Engenheiro de telecomunicações e especialista em negócios, o CEO do JOTA, Marc Sangarné fala ao NativoJor sobre como o veículo conseguiu sustentabilidade ao encontrar uma demanda por conteúdos especializados, o investimento da empresa para se tornar uma referência em tecnologia e qual a sua visão sobre o universo dos nativos digitais no país.

De onde veio o aporte inicial para o lançamento do JOTA?

Tivemos um “investidor anjo”, o pai de um dos sócios e um colega desse pai. A gente chama isso de startups três F’s: friends, family and fools (amigos, família e tolos). É a ideia de levantar dinheiro antes do lançamento. O anjo de verdade nunca colocaria o dinheiro total antes de ver o desenvolvimento do negócio mudando. Por isso, que teve que ser a família. Posso te dizer que foi um aporte de umas centenas de milhares de reais. Um aporte importante porque os fundadores não tinham autonomia suficiente para isso. 

Desde o lançamento, o modelo de negócios sofreu alterações?

Inicialmente, tínhamos a ideia do site mas não sabíamos direito como fazer. A gente tinha intenção de cobrar. Foi lançado sem paywall, mas tínhamos essa intenção de colocar depois de algum momento. E publicidade. Teve google ads, banner. E teve muita tentativa e erro. Não tínhamos no começo uma visão clara do que ia ter.  O desenvolvimento da estrutura do site apareceu com as demandas. Encontros, pessoas dizendo que pagariam por determinado tipo de serviço. Assim, naturalmente as coisas aconteceram. No caso da publicidade, vimos que ela não gerou uma receita significativa. E outras fontes também não funcionaram. Por exemplo, a gente colocava links da Amazon nas nossas recomendações de livros. E a gente recebia um retorno caso houvessem cliques. Também foi uma coisa totalmente anedótica e basicamente pagava os custos administrativos da emissão da nota fiscal. Mas nossa sustentabilidade chegou um ano após o lançamento. Justo quando o dinheiro do investimento inicial estava acabando.

Hoje, quais as principais fontes de financiamento da iniciativa?

Hoje a principal receita é a assinatura do site. Basicamente nosso modelo se baseia nessa assinatura recorrente de um produto de informação, que vem com uma parte de dados e tecnologia. No site, a gente publica nossos dados em formato de matérias, e para um público bem amplo. Também temos as partes temáticas. Ou seja, tributário, saúde, poder de maneira geral. E essas entregas são feitas para um público mais restringido. Tributário ainda é um público grande porque inclui escritórios de advocacia e tal, e são centenas de clientes PJ (pessoas jurídicas). Quando se entra em um setor, por exemplo no saúde, ou poder, onde a gente acompanha as reformas, aí é um público mais restrito. A gente tá falando aí de dezenas de grandes empresas, bancos, fundos de investimento. Nesse tipo de entrega a gente vai um pouco mais longe na tecnologia. A gente coloca à disposição ferramentas exclusivas. Quem possui esse pacote tem acesso a ferramentas de previsão e visualização de dados. Por exemplo, “qual a chance de um projeto de lei passar?”. Essa informação é valiosa para quem trabalha com isso. Aí o usuário tem o trabalho dele de acompanhar esses projetos de lei. Pode ser alguém de dentro da empresa, ou que analisa o mercado financeiro, precificando as ações. E por isso é importante que ela tenha acesso a um produto bem detalhado. A gente usa essas ferramentas também pras nossas pautas do site. Mas aí é mais focalizado em um assunto que interesse um público mais amplo. A gente tenta puxar alguns insights dessas ferramentas sem entregar elas, porque tem alguém pagando caro pra ter acesso a ela. Mas ao mesmo tempo a gente pensa no que pode ser legal pra todo mundo.

A gente vê três níveis de público. Tem um mais exclusivo de empresas, bancos, fundos de investimento. Tem um público intermediário de pequenas e médias empresas, escritórios de advocacia. E um público muito mais amplo de pessoas físicas, basicamente. A receita principal vem da venda de produtos do JOTAPro, mais exclusivo. As assinaturas do site não seriam suficientes para o JOTA sobreviver e se desenvolver. Isso é importante. A gente vê que a gente tem uma marca, uma conotação jurídica bem forte, daria pra imaginar que só com a venda de assinatura para advogados a conta fecharia. Mas ainda não estamos perto disso.

E como é feita a precificação destes produtos? O preço é fixado?

Não é fixo. Tem um preço padrão, uma tabela. Mas como é uma venda para grandes empresas, tem muita negociação. O preço depende de qual o tipo de produto e qual o tipo de empresa. A gente vai precificar diferentemente uma entrega pra um escritório de advocacia de 3 advogados e uma empresa como a Coca-Cola, apesar dos dois pedirem o mesmo conteúdo, por exemplo. Inicialmente, precificávamos por usuário, mas como entregamos muito por e-mail, não tivemos controle de distribuição. Hoje nossa precificação é feita por perfil de empresa. E produtos. Para um assinante usual, do site, o preço é de 20 reais por mês. Uma pequena empresa paga centenas de reais. E uma grande empresa, milhares de reais. Os produtos têm duas ou três opções de entrega. E isso faz grande diferença entre eles. 

A distribuição do conteúdo é feita por e-mail, site e, em alguns casos, whatsapp. Alguns pacotes oferecem também atendimento personalizado. A gente fala com o cliente para saber o que ele precisa, o que que interessa. É uma relação totalmente interativa. Não entendeu uma notícia, tá na correria do dia a dia, precisa tomar uma decisão rápida, a gente oferece essa conveniência de tirar dúvida. E a gente coloca a disposição alguém que vive naquele cantinho do poder público. Eles sabem o que pode ou não acontecer. Essas coisas não são manchete, são muito particulares, e gera muito valor. A gente criou serviços assim, que geram valor para nosso nicho. 

Na prática, são vários clientes do mesmo setor. Vários que são concorrentes entre eles. Eles vão pagar a mesma coisa. Mas não nos comprometemos com nenhum. A gente não tem nenhum cliente que representa mais de 5% do faturamento da empresa. A gente pode perder qualquer um deles. Não faz muita diferença. Não há conflito de interesse. 

E como vocês chegaram nestes clientes?

A prospecção foi um pouco orgânica. Com o conhecimento da nossa marca, aconteceu naturalmente. Os escritórios estão lá nas corte superiores e já eram nossas fontes. Aconteceu também alguns contatos pessoais de quem estava na operação. E com empresa aconteceu a mesma coisa. Contatos indiretos, de segundo grau.

“Jornalismo de nicho funciona. O jeito de vender hoje é vender com conteúdo. Conteúdo é necessário e útil quando alinhado com uma necessidade ou propósito. Então potencial tem, mas a execução tem que ser bem feita”

O JOTA foi reconhecido em 2019 pelo World Digital Media Awards como a melhor startup de informação digital no mundo. Qual você acha que é o diferencial da iniciativa, que levou a este reconhecimento?

Acho que o diferencial é a gestão de produto. E o fato de ter conseguido executar este produto com alinhamento muito forte entre a produção e a necessidade da audiência. A gente apresentou justamento isso no prêmio, essa máquina de encontrar alinhamento.  Alinhamento de formato, conteúdo e necessidade que funcionou bem. 

Qual a sua visão sobre a estratégia de sustentação de outros nativos digitais do Brasil?

É difícil ter uma resposta para todo mundo. Tem muitas empresas saindo. Eu vejo realmente cada história de maneira totalmente diferente. Acho impressionante até que ponto todo mundo consegue empreender de maneira diferente. Você começa a comparar os modelos de negócio que as pessoas querem fazer, como se financiam, cada uma é uma história. Talvez tenham vários caminhos. Tem um caminho de que se financia pela audiência. E aí é só uma questão de adequar. Se você quer agradar uma audiência grande, talvez precisa se um investidor maior. Outro é achar um posicionamento mais forte, mais ancorado em uma comunidade. Um posicionamento político forte, por exemplo… No fim das contas é só uma questão de execução. Jornalismo de nicho funciona. O jeito de vender hoje é vender com conteúdo. Conteúdo é necessário e útil quando alinhado com uma necessidade ou propósito. Então potencial tem, mas a execução tem que ser bem feita. Eu to vendo coisas muito diferentes na execução. Pois depende de quem está fazendo, quem financia e das circunstâncias. 

Quais são os próximos passos do JOTA?

A gente vai contratar mais pessoas para a parte de tecnologia. Estamos revisitando um pouco a nossa organização de gestão de cliente, crescimento. E vamos tentar deixar mais claro o que o JOTA faz. Hoje as pessoas ainda pensam na gente como um veículo focado no judiciário, o que continuamos fazendo, claro, mas também precisamos nos apresentar melhor em termos de dados, apresentar o potencial de nossa tecnologia. Vamos prever cada vez mais o que o poder público vai apresentar. Vamos trazer cada vez mais dados, materiais e ferramentas para prever o futuro de diferentes setores. E vamos continuar nos especializando, identificando novos segmentos que ainda não cobrimos.

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