Janine Warner: “É preciso fazer com que jornalistas saibam pensar em dinheiro tão bem quanto eles pensam em jornalismo”

A americana Janine Warner é conhecida como uma das pioneiras na pesquisa e prática do jornalismo digital. O gosto pelo empreendedorismo e a paixão pelos novos meios acompanham Warner desde cedo na sua carreira. Assim como o olhar especial para a América Latina.

Por causa de sua carreira focada na consultoria digital e de novos meios, Janine foi convidada a lecionar, em 2013, o primeiro Curso Massivo e Aberto (MOOC) do Centro Knight de Jornalismo nas Américas. Em espanhol e direcionado ao empreendedorismo digital, o curso teve mais de 5000 alunos inscritos.

A percepção de que havia muitos jornalistas latino americanos pensando em lançar novos produtos na rede inspirou a pesquisadora a desenvolver um novo projeto. Fundada em 2015 por Warner e pela professora argentina Mijal Iastrebner, a SembraMedia é uma organização sem fins lucrativos dedicada a ajudar iniciativas nativas digitais a conseguirem a sustentabilidade em seus negócios.

O primeiro grande projeto da iniciativa foi uma pesquisa intensa sobre veículos nativos digitais de quatro países da América Latina: Brasil, México, Argentina e Colômbia. O “Ponto de Inflexão”  se transformou em base para dezenas de outras pesquisas sobre o assunto desenvolvida nos últimos anos. 

Além das investigações, a organização também investe na ajuda financeira de projetos deste tipo pelo continente. Um de seus braços, o “Velocidad” é a primeira aceleradora de startups de jornalismo digital na América Latina.

Warner é bolsista do International Center for Journalists (ICFJ). Também foi professora de jornalismo digital na Universidade do Sul da Califórnia e Universidade de Miami, além de ter passado como pesquisadora convidada em mais de 30 universidades nos Estados Unidos, América Latina e Europa.

Ela esteve no Brasil em outubro deste ano para compor a mesa “A receita dos novos modelos no jornalismo” no Festival 3i. Durante o evento, Janine falou ao NativoJor sobre como suas experiências pessoais sempre tiveram mediadas pelo empreendedorismo, no que os nativos digitais ainda estão esbarrando para ter sucesso em suas iniciativas e o que eles podem fazer para mudar este cenário.

Por que ajudar veículos latino americanos a empreender? 

Eu trabalhava para um jornal no meu primeiro emprego, e era a única repórter que falava espanhol. Quando começamos a traduzir alguns conteúdos, eu notei que os leitores dos textos em espanhol precisavam mais daquela reportagem do que os falantes de inglês. Eu cresci com todas essas fontes de informação, na faculdade eu lia cinco fontes de notícias todos os dias, e isso antes da internet. Mas tinha esse grupo de pessoas, imigrantes no norte da califórnia, majoritariamente do México, que não tinham quase nada em suas línguas. E isso causava problemas para eles. Eles eram vítimas de abusos no trabalho, fraude, eles não sabiam o suficiente para consumir, eles não tinham incentivo para colocar seus filhos nas escolas. Então, com 20 anos, lancei com uma amiga um pequeno jornal de notícias em espanhol. Em três anos, a audiência subiu. As histórias tinham impacto pois escrevíamos sobre esses abusos, como advogar por você, fraudes, onde reclamar se alguém te roubar, como ter suporte legal. Como éramos uma ONG, tínhamos voluntários dos jornais diários que vinham ajudar, da comunidade. Mas nossos recursos eram muito baixos. Apesar do sucesso da audiência, como negócio ele era um completo fracasso e tivemos que fechar.

“O maior erro que eu vejo iniciativas cometendo é: um monte de jornalista se reúnem e só o que eles querem fazer é jornalismo. E eu gosto de dizer que isso é igual três chefes se unirem e decidirem abrir um restaurante. Alguém tem que organizar”

Isso partiu meu coração, mas também me ensinou uma lição muito importante: você pode ter uma grande ideia, uma grande missão social, ter um grande impacto e uma boa audiência, mas se você ainda não tiver dinheiro pra financiar isso, você vai fracassar. Mais tarde eu percebi que todas as coisas que eram difíceis nesse jornal impresso que eu criei, a distribuição, a impressão, a internet podia mudar isso tudo. Uma luz se acendeu para mim. E eu decidi aprender tudo o que eu podia sobre ela. Fui chamada então para trabalhar no Miami Herald para gerenciar o departamento online deles. Foi uma experiência incrível de aprendizado. E também muito frustrante. Por que eu sou uma pessoa muito empreendedora. Eu tentava emplacar novas coisas, mas o chefe sempre barrava. A burocracia era muito grande e se movia muito devagar. Mas por essa experiência, eu comecei a ser conhecida como pioneira no jornalismo digital. Virei uma consultora  de inovação digital, transformação digital. Mas mesmo com esses novos veículos eu sentia a mesma dificuldade do que no Miami. “Você tem que mudar agora” “Hmm, acho que não”. Eu não estou aqui com respostas. Eu estou aqui pra dizer aprenda com nossos erros, mude seu modelo de negócio antes que seja tarde demais. Todos os publishers na América Latina diziam “Não, isso vai ser diferente por aqui”. Agora eles estão todos sofrendo. E eu quero ajudá-los. Se tudo o que você faz é jornalismo e tentar ajudar sua comunidade, você vai falhar. Se você não tiver um modelo de negócios. Eu decidi que eu queria trabalhar junto com os empreendedores. Me convidaram para dar uma aula no Knight Center for Journalism in Americas sobre empreendedorismo, em espanhol. Mais de 5000 estudantes se inscreveram. Isso me fez perceber que tinha muitas pessoas interessadas nisso. Então pensei como podemos fazer algo maior, como podemos ajudar esses jornalistas. Então, junto a uma das professoras que conheci no curso, Mijal Iastrebner, iniciei o SembraMedia. 

E quais foram as principais descobertas do estudo sobre nativos digitais?

Depois de 5 anos de pesquisa, nós achamos muitos bons exemplos e algumas situações horríveis nas quais as pessoas não estão mesmo pensando em fazer dinheiro. O que tentamos fazer no SembraMedia é fazer com quem jornalistas saibam pensar em dinheiro tão bem quanto eles pensam em jornalismo. A partir do momento em que você começa a prestar atenção em construir um negócio, sua iniciativa fica melhor. Se você contratar alguém pra te ajudar a fazer isso, fica melhor ainda. Olhando os dados do relatório, temos isso muito claro. O maior erro que eu vejo iniciativas cometendo é: um monte de jornalista se reúnem e só o que eles querem fazer é jornalismo. E eu gosto de dizer que isso é igual três chefes se unirem e decidirem abrir um restaurante. Alguém tem que organizar. Eu amo jornalismo, eu também cometi o mesmo erro, mas uma das coisas que aprendemos sobre abrir um modelo de negócios, é que é necessário ter mentes que pensam o negócio no meio, ou um jornalista que decidiu focar em negócios, ou é muito difícil.

É possível achar a sustentabilidade sendo um nativo digital?

Achamos basicamente dois caminhos para a sustentabilidade: grandes audiências ou audiências leais. Com 10 milhões, 20 milhões de pageviews, você consegue fazer dinheiro suficiente com publicidade programática. Se você tem uma audiência pequena, mas leal, você começa a ver os modelos de membership como mais prováveis.  Não como única renda. Tem que acrescentar outras coisas como consultorias, formação. Tem que ter análise de mercado, de audiência. Nós achamos pelo menos 15 jeitos de fazer dinheiro com jornalismo, mas a coisa mais importante é a diversificação de receitas. Escolha aquela que melhor se encaixe em sua audiência, suas habilidades, sua missão. E se alguém te der um aporte, não gaste tudo com jornalismo. Gaste parte disso, talvez 20%, em trazer mais receita. Mais dinheiro, mais jornalismo. Mudar essa mentalidade é a parte mais difícil.

Como fazer essa avaliação do melhor modelo para o negócio?

Não há uma solução única. É sobre ouvir as pessoas e pensar em suas audiências. Se você tem uma iniciativa e seu público são pessoas ricas, empresários, é muito fácil fazer dinheiro. Se você tá fazendo um jornalismo local, cobrindo uma comunidade específica, então assinatura pode não ser o melhor negócio. Por que as pessoas que você está tentando ajudar não tem muito dinheiro. O maior desafio para jornalistas que trabalham com comunidades vulneráveis é monetizar essa audiência. Um dos caminhos que eu sugiro é se questionar: quem mais pode dar dinheiro pra essa iniciativa? Existe algum dado, inteligência de mercado sobre essa comunidade que você pode vender para empresários, por exemplo? 

“Escolha aquela que melhor se encaixe em sua audiência, suas habilidades, sua missão. E se alguém te der um aporte, não gaste tudo com jornalismo. Gaste parte disso, talvez 20%, em trazer mais receita. Mais dinheiro, mais jornalismo. Mudar essa mentalidade é a parte mais difícil”

Em 2019, vocês lançaram um programa de mentoria para iniciativas nativas fundadas por mulheres, o ‘Metis’. Por que financiar o jornalismo empreendedor desse perfil?

Uma das coisas que descobrimos em nossa pesquisa foi que há um número alto de mulheres empreendendo no ambiente digital. Em empresas jornalísticas tradicionais nos Estados Unidos o número de mulheres proprietárias desses veículos é menor que 1%. Nosso diretório mapeou mais de 800 veículos novos, a maioria com 2 a 3 fundadores, e 40% deles são mulheres. Sabemos também que as mulheres são empreendedoras mais relutantes, tímidas. Existe uma noção geral de que homens vão testar coisas quando eles estão com 60% de certeza. Enquanto mulheres precisam estar 120% certas. Elas precisam ter mais segurança para entrar no mundo do empreendedorismo. E elas têm que ouvir isso de uma outra mulher que já passou por isso. A ideia do Metis é ter mulheres líderes e empreendedoras trabalhando com outras mulheres empreendedoras, inspirando elas. Mulheres ajudando mulheres possui um impacto diferente. E é um público que achamos que vale muito a pena ajudar, por que há tão poucas em mídias tradicionais. Outro ponto que descobrimos na pesquisa é que não é verdade que é preciso empreender cedo. As mulheres com mais sucesso que achamos são empreendedoras tardias, aos 30, 40. Fazendo isso mais tarde, você vai ter mais dinheiro, conexões, experiência. Se você quer ser um empreendedor, vá trabalhar com quem está fazendo isso, estude, e aí tente seu próprio negócio. 

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