A capacidade de readaptação de negócio da Agência Envolverde, pioneira no jornalismo nativo digital

Fundada em 8 de janeiro de 1998, a Agência Envolverde é uma das primeiras experiências nativas digitais do jornalismo brasileiro. Baseada em São Paulo, a iniciativa foi pioneira também na cobertura de meio ambiente e desenvolvimento sustentável. 

Além da escolha pela cobertura de nicho, a iniciativa também investiu em diversas fontes de receita ao longo de seus 20 anos de funcionamento. Características que refletem um padrão do empreendedorismo digital, segundo especialistas.

Inicialmente pautada na venda de conteúdos especializados para veículos, formato tradicional de uma agência de notícias, a Envolverde inovou ao distribuir estes produtos pela internet, o que ainda não estava sendo explorado com eficiência por outras organizações.

A qualidade de cobertura da temática ambiental, além do pioneirismo tecnológico, trouxe credibilidade e reconhecimento à marca. O que trouxe parcerias e apoiadores, além de ter possibilitado que o veículo explorasse outras formas de sustentação ou receitas subsidiárias, como a venda de consultoria especializada, a produção de relatórios, organização de eventos e palestras. O site também conta com uma campanha de financiamento coletivo e possui anunciantes.

Um dos fundadores e atual diretor executivo do projeto é Dal Marcondes, jornalista graduado pela ECA-USP, especializado em Economia Ambiental também pela universidade e Mestre em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM. Em entrevista ao NativoJor, Marcondes fala sobre os modelos de sustentação explorados pela Envolverde ao longo dos anos, o que difere a iniciativa de outros veículos nativos que nasceram na onda mais recente e qual sua visão sobre este mercado.

O nascimento da Envolverde se deu ainda num momento originário do ambiente midiático digital, em 98. Naquela época, como foi pensado o modelo de negócio da iniciativa?

Na década de 1990 tive o privilégio de trabalhar em uma das empresas que estavam na vanguarda do desenvolvimento e utilização de tecnologias digitais direcionadas a produtos jornalísticos, a Agência Estado. Durante algum tempo fui editor de economia e produtos regionais e depois assumi um cargo executivo como gerente de projetos especiais. Nesse cargo me envolvi com a implantação da internet na AE, com a tarefa de pesquisar junto a especialistas em diversas partes do mundo qual o papel que a internet, como tecnologia emergente teria em produtos jornalísticos e qual seria seu impacto na indústria. Em janeiro de 1998 eu e um pequeno grupo de jornalistas colocamos no ar um pequeno site na URL www.envolverde.com.br , a mesma que utilizamos até hoje, com o acréscimo do sufixo .org também.

A ideia principal era criar uma agência de notícias com foco em jornalismo ambiental e de desenvolvimento humano cujo benchmarking era, e em alguma medida ainda é, a agência de notícia Inter Press Service, nossa primeira grande parceria para a produção e difusão de notícias ambientais no Brasil e do Brasil para o mundo (a IPS está presente em cerca de 100 países).

O modelo de negócios era principalmente vender conteúdos especializados em meio ambiente para jornais e revistas, no formato tradicional de agências de notícias. A inovação era como produzíamos e distribuímos esse conteúdo através da internet, o que nos permitia atingir publicações de todo o país sem os pesados investimentos de estruturas de transmissão ponto a ponto (telex, fax ou micro-ondas) como faziam as agências de então.

Quais transformações mais relevantes no modelo de financiamento da Envolverde ocorreram nesses 20 anos de atuação?

Essa é uma pergunta complexa, porque a Envolverde adotou algumas dezenas de modelos de negócios e financiamento ao longo das duas últimas décadas. O primeiro foi a venda de conteúdos produzidos de forma independente, depois prestando serviços para outras organizações na produção e distribuição de conteúdos. Nossos primeiros parceiros a pagar por esse tipo de serviço foram o Programa de Meio Ambiente da ONU e a agência IPS. O Pnuma nos pagou para produzir no Brasil um jornal mensal, em formato tabloide, com notícias de meio ambiente da América Latina, Caribe e Brasil, o Terramérica, a IPS pagava para que traduzíssemos seus conteúdos e distribuíssemos em português para as mídias nacionais. Depois, em parcerias para a cobertura dos Fóruns Sociais Mundiais que aconteciam anualmente no país.

A partir daí passamos a trabalhar também com reportagens sob demanda de veículos e de organizações sociais e também a realizar eventos em parceria com organizações como a Rede de Jornalismo Ambiental, que ajudamos a consolidar no Brasil e a revista Carta Capital, com quem mantemos uma sólida parceria desde 2009.

Houve, também, uma aproximação com empresas e organizações sociais com pautas sociais e ambientais, como em 2007 com a formação do Fórum Amazônia Sustentável, uma organização de empresas, universidades e ONGs para o debate e fomento de modelos de desenvolvimento sustentável no bioma Amazônia. A Envolverde foi uma parceira ativa dessa organização, assumindo primeiro a coordenação de comunicação e depois uma vaga no Conselho de Ética da entidade. Houve um período em que produzimos relatórios de sustentabilidade para empresas e organizações sociais e outro em que fizemos treinamentos e capacitação de comunicadores de organizações sociais na Amazônia.

Hoje a Envolverde se mantém realizando eventos de conteúdos em meio ambiente e economia sustentável e com publicidade no site onde publicamos nossa produção e curadoria jornalística.

Você considera que os atuais canais de financiamento da iniciativa são sustentáveis? Qual o diferencial da Envolverde?

Há ainda muitas dúvidas em relação à consolidação de modelos de negócios e de financiamento de novas mídias digitais. Os modelos são diversos e dispersos. Há grupos que formam empresas, outros que produzem jornalismo com o formato de organização social e até coletivos não formalizados. A publicidade ainda é uma grande fonte de financiamento, assim como o financiamento direto dos consumidores de notícias. Mas o volume de recursos ainda é muito inferior ao que as mídias impressas ainda conseguem. 

Na Envolverde temos um mix de atividades que inclui a publicidade, o crowdfunding, a produção de conteúdos para terceiros (sob demanda), a produção e realização de eventos, palestras e consultoria. Nosso principal diferencial é a expertise em temas socioambientais, com foco em economia e modelos de negócios, o que nos aproxima tanto de organizações sociais e academia, como de empresas. Isso, mais o tempo de existência (uma pesquisa realizada pela SembraMedia identificou a Envolverde como o mais longevo projeto de jornalismo nativo digital em operação no Brasil), nosso site entrou no ar em 8 de janeiro de 1998, o que torna a marca muito conhecida e ligada a pautas de interesse para um público que vai de estudantes e professores, além de gestores ambientais de organizações sociais e empresas.

Quais você acha que são as principais diferenças da Envolverde em relação aos nativos digitais que surgiram mais recentemente?

A partir de 2012, as novas mídias puderam dispor de muito mais tecnologias, baseadas em plataformas e algoritmos, além de um gás adicional por uma nova geração de empreendedores mais focados em construir modelos de jornalismo inovadores.  Os projetos mais recentes têm o desafio de uma disputa mais acirrada por um lugar ao sol e na disputa por leitores e apoiadores, seja através de patrocínio, doação ou publicidade. No entanto creio que o principal diferencial é do ânimo dos novos empreendedores. Boa parte não vêm da experiência nas mídias tradicionais do século XX, já entraram no jornalismo no ecossistema digital e tem maior capacidade de se adaptar à velocidade das transformações e à busca cotidiana por inovações.

No caso da Envolverde já estamos nos acostumando à posição de decanos do jornalismo digital e nossas expectativas vão em outra direção. Estamos trabalhando para oferecer nossa experiência e perspectiva para apoiar e fortalecer novos projetos. Fazemos isso em nossos eventos, nos congressos de jornalismo em que participamos e agora especialmente no que convencionamos chamar de Projeto Envolverde 20/30, que pretende oferecer estágio e mentoria para jovens jornalistas em temas como economia ambiental, desenvolvimento humano, empreendedorismo e formação holística.

“A profissão do jornalista enfrenta um momento de desconstrução. Um dos mais importantes enfrentados até hoje, com a ruptura do formato tradicional do jornalista funcionário e o fortalecimento do formato jornalista empreendedor”

Como um empreendedor, como você observa o cenário do jornalismo digital atual? Quais as maiores dificuldades enfrentadas e como superá-las?

Existem dois desafios distintos e conexos para jornalistas e jornalismo. A profissão do jornalista enfrenta um momento de desconstrução. Um dos mais importantes enfrentados até hoje, com a ruptura do formato tradicional do jornalista funcionário e o fortalecimento do formato jornalista empreendedor. No entanto nada na formação e na história dessa profissão preparou os jornalistas para esse cenário. E o jornalismo perdeu a segurança de um modelo de negócios estável e que garantia uma boa rentabilidade para as empresas.

Então esses dois desafios precisam ser enfrentados muito rapidamente, porque a sociedade não pode prescindir de acesso a um jornalismo de qualidade, capaz de oferecer de forma sistêmica informações confiáveis para a tomadas de decisões estratégicas ou cotidianas. Profissionais precisam buscar uma nova institucionalidade com capacidade de oferecer um arcabouço jurídico e ético para a produção do jornalismo e, por sua vez, parte dos profissionais precisam desenvolver técnicas e obter conhecimentos que apoiem a construção de projetos jornalísticos viáveis para manter vivo o jornalismo de qualidade e ao mesmo tempo garantir os recursos necessários para bancar a nova indústria do jornalismo e oferecer renda a seus profissionais.

É possível? Sim, porém ainda vai dar muito trabalho para amadurecer não apenas os jornalistas e o jornalismo, mas para que a sociedade retome a confiança no jornalismo como um parceiro de seu processo de desenvolvimento econômico e civilizatório.

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