Adriana Garcia: “É preciso treinar os jornalistas para que eles possam se apropriar dos processo digitais com propriedade”

Especialista em Design Thinking pela escola de design da Universidade de Stanford (EUA) e mestre em comunicação pela Universidade de São Paulo, Adriana Garcia dedica sua carreira a disseminar a inovação e o empreendedorismo como motores fundamentais para o jornalismo.

Em 2014, foi uma das selecionadas do Jonh S. Knight Journalism Fellowships at Stanford, programa da universidade que incentiva projetos com a temática. A experiência deu origem ao OrbitalLab, empresa que Garcia ajudou a fundar. Entre os serviços oferecidos estavam a consultoria estratégica,  prototipagem de novos negócios e produção de conteúdos digitais. 

A iniciativa deu lugar mais tarde ao Orbital Mídia. O projeto exclusivo de Garcia funciona como grupo de discussão e uma microempresa que promove treinamentos para jornalistas, redações e universidades, ensinando técnicas de criatividade, desenvolvimento ágil de produtos e atitudes empreendedoras. 

A especialista atua também como teaching fellow da Google News Initiative. Seu papel é treinar jornalistas, estudantes de jornalismo, ONGs e coletivos independentes em ferramentas digitais do Google e de outras marcas.

Em entrevista ao NativoJor, a pesquisadora falou sobre os erros mais comuns de nativos digitais na construção de seus modelos de negócio e deu dicas práticas de aperfeiçoamento para quem está pensando em empreender.

Seu projeto do Orbitalab se deu justamente em um período (2014-2015) em que surgiram diversas novas iniciativas de jornalismo nativo digital. Quais os acertos e erros mais relevantes em alguns destes modelos de negócio, na sua visão?

O principal problema que vejo é as pessoas começarem a gastar dinheiro e investir porque têm uma ideia, sem ir a campo pesquisar sobre as necessidades da audiência. Outro é começarem sem capital nenhum e não fazerem alianças e parcerias — e uma estratégia de vendas — para poderem sobreviver às agruras dos primeiros tempos de empreendimento. E, como eu, perderem pessoas talentosas rapidamente para outras oportunidades por causa disso, ou falirem e desisitirem rápido por causa disso (achar o modelo de negócios leva tempo, é preciso se planejar antes de empreender).

Outro erro crasso é o jornalista que quer empreender perceber que está fazendo de tudo no empreendimento menos cuidando do conteúdo, que é sua especialidade, e se frustrar por isso (e é assim mesmo que acontece). E o último é o jornalista não entender que para ser empreendedor ele vai ter que saber, antes de tudo, vender (seja no for profit ou no nonprofit, onde tem que buscar doações).

Do lado positivo, posso destacar veículos que acertaram ao importar modelos bem sucedidos no exterior (ex: Vox-Nexo). Ou veículos no qual o jornalista usa seu capital relacional para iniciar algo (Fernando Rodrigues e o Poder360, e mesmo caso do BrazilJournal) e casos em que jornalistas se juntaram e detectaram nichos abandonados pelos jornais que geraram oportunidades de negócios (o caso do Jota no caso do setor jurídico, o Dimmi Amora no setor de infraestrutura com a Agência Infra,por exemplo).

Um caso de modelo de negócios híbrido interessante é o do É Nóis. Uma organização no nonprofit que mantêm uma escola de jornalismo para jovens da periferia por doações, e uma agência de conteúdo com temas de diversidade e inclusão para clientes nonprofit. 

“Para os próximos anos os desafios são informar melhor a sociedade sobre o valor do trabalho jornalístico e sua contribuição para a democracia e para o bem viver de todos”

Hoje, 5 anos depois, você considera que este empreendedores conseguiram desenvolver estruturas de mídia que funcionam como ambiente de negócios inovadores?

Acho que sim, em termos de terem encontrado seu foco, seu público, diferentes formas de monetização e um caminho para se relacionarem com a audiência, mais próximo e conversacional que a mídia de legado. De uma forma geral, o que os distingue é o tom de voz, e, em muitos casos, uma postura mais aberta para experimentar e cometer erros e também para entrarem em iniciativas colaborativas (3i, Comprova, etc). Tudo isso ajuda a fortalecer o ecossistema inovador, principalmente a experimentação e a colaboração.

Quais você acredita que sejam as maiores dificuldades do empreendedorismo digital hoje? E quais pontos de atenção você vê para os próximos anos?

Acesso a capital, declínio da credibilidade da imprensa e jornalistas com mentalidade ainda da era industrial (problema cultural). Eu diria que para os próximos anos os desafios são informar melhor a sociedade sobre o valor do trabalho jornalístico e sua contribuição para a democracia e para o bem viver de todos, e treinar os jornalistas para que possam se apropriar dos processo digitais com propriedade, incluindo aí modelos de negócio, business intelligence, marketing e monetização.

Se você pudesse dar uma dica prática de que pontos de investimento e qualificação jornalistas devem perseguir para ter sucesso no novo ambiente midiático, tanto pessoalmente, quanto em suas iniciativas, quais seriam?

Hackear os métodos do Vale do Silício por completo, seguir a cartilha das startups: design thinking, marketing digital, conversão, modelagem, business intelligence, analytics, verificação, growth hacking e também técnicas avançadas de reportagens guiadas por dados, assim como técnicas tradicionais de reportagem no campo (ou seja, o bom e velho ‘boots on the ground’ baseado na empatia com as pessoas, ainda grande objeto de todas as histórias jornalísticas). Resumindo: online total e offline total, com foco na boa velha reportagem, de olho e numa conversa constante com as audiências.

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