Egle Spinelli: “Com a era digital, mudamos de uma cadeia de valor estável e previsível para uma mutável e inconstante”
Professora de Jornalismo e do Mestrado em Produção Jornalística e Mercado na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM- SP), Egle Spinelli é especialista em pesquisas teóricas e práticas sobre os temas de inovação no jornalismo, estratégia de desenvolvimento de modelos de negócios para conteúdos digitais e processos de convergência midiática.
Também é doutora em Comunicação pela Universidade de São Paulo, e integrante do Grupo de Pesquisa COM+ (ECA-USP) sobre inovação e tendências na comunicação e no jornalismo digital e do grupo Lógicas e Modelos de Gestão em Jornalismo (ESPM-SP).
Em entrevista ao NativoJor, a pesquisadora explica o conceito de modelo de negócio e como ele é aplicado ao jornalismo e traz uma análise sobre como nativos digitais têm conseguido construir valor para seus empreendimentos, superando a crise que rodeia a indústria jornalística.
O que podemos definir como um Modelo de Negócio?
É o modelo escolhido por determinada empresa para que seu negócio seja viabilizado e financeiramente sustentável. Modelos de negócio implicam na criação de estratégias para gerar valor nas diversas etapas que compõem os processos de produção, circulação e consumo de produtos, bens e serviços
“Hoje a publicidade se pulveriza no ambiente digital e não precisa mais das empresas jornalísticas para atingir determinado público específico para seus anunciantes. O jornalismo passa a dividir as receitas com plataformas de tecnologias e redes sociais, o que obriga as empresas de notícias a procurarem novas estratégias de negócio “
E qual as particularidades do um modelo de negócio para a indústria jornalística?
A indústria jornalística, diferente do passado, precisa desenvolver modelos de negócios inovadores e adaptáveis às necessidades da audiência que quer atingir. Isto implica em desenvolver particularidades de modelos de negócio de acordo com o público almejado, que pode ser por um lado restrito a uma temática, editoria ou causa, e, por outro, mais variado e diversificado. Hoje, as empresas jornalísticas precisam ter muito claro qual o valor das informações que produz para desenvolver conteúdos tanto que agreguem ao interesse público como ao interesse do público. A audiência hoje é uma das principais responsáveis pela geração de receita para empresas jornalísticas, seja pela publicidade que atraem, seja pela sua importância como financiadora de projetos por meio de assinaturas e outras formas de apoio, como crowdfunding, doação e micropagamentos.
O que mudou na cadeia de valor do jornalismo com o ecossistema digital? E porque estamos sentindo o efeito disso com mais força agora?
Com a era digital, mudamos de uma cadeia de valor estável e previsível para uma mutável e inconstante. Até o final do século passado, as empresas jornalísticas eram asseguradas pela comunicação de massa de um para muitos, onde as empresas mantinham um sistema de produção, comercialização e distribuição permanente e sólido, principalmente rentabilizado pelo mercado publicitário. Hoje a publicidade se pulveriza no ambiente digital e não precisa mais das empresas jornalísticas para atingir determinado público específico para seus anunciantes. O jornalismo passa a dividir as receitas com plataformas de tecnologias e redes sociais, o que obriga as empresas de notícias a procurarem novas estratégias de negócio para se manterem perenes no mercado.
O que a indústria está fazendo para superar esta crise? Você acha que está sendo efetivo?
Existem as indústrias jornalísticas que se estabeleceram na era pré-digital e conquistaram certa credibilidade com um público-alvo. Hoje, a dificuldade e se manter relevante para novos públicos com a grande quantidade de oferta de conteúdo distribuído em sites, aplicativos, redes sociais, e, principalmente pela disseminação em massa das chamadas Fake News. Estamos ainda presenciando a tentativa das grandes empresas jornalísticas tradicionais de se manterem no mercado atual, mas muitas já diminuíram suas redações e até fecharam ou saíram da mídia analógica para a digital, como o caso de alguns jornais impressos. Para superar a crise a indústria está focando em modelos de negócios diversificados para a geração de receitas múltiplas, que vão além da produção de novos conteúdos e produtos e, muitas vezes, fogem do escopo principal da empresa, como trabalhos de assessoria, branded content, e desenvolvimento e comercialização de tecnologia. Por outro lado, muitas empresas no digital acabam trabalhando para um mercado de nicho, com estruturas menores e mais focadas na criação de valor específico, mas que também se preocupam com a diversificação de produtos e serviços para conseguir ser sustentável.
Nos últimos anos também temos visto, por outro lado, o surgimento de diversas iniciativas nativo digitais. Você acredita que elas inovam em seus modelos de negócio? Como?
Sim, inovam pela estrutura organizacional mais enxuta e formada por profissionais com relevância e expertise profissional no segmento focado pela empresa. Outras inovações podem ocorrer na produção de conteúdo diferenciados e no desenvolvimento de produtos customizados e qualificados. E como já foi dito, na produção de jornalismo de qualidade unido a outros serviços que agreguem valor à audiência.
O que difere delas pras mídias tradicionais que estão migrando mais fortemente para o digital?
A alta capacidade em inovar em estrutura organizacional, marketing e tecnologia, sem receio de perder receitas com o que já conquistaram, pois empreendem com novas estruturas de trabalho formatadas conforme a disponibilidades das receitas que geram. Trabalham com equipes interdisciplinares e desenvolvimento de projetos especiais e novos conteúdos, compreendendo o ciclo de vida das notícias, que não termina na divulgação de uma informação e precisa ser monitorado para que exista um acompanhamento da relevância de determinado conteúdo para o público.
Você acha que as escolas de jornalismo e os jornalistas estão sendo preparados para essa mudança na cadeia de trabalho, na qual é importante ter noções de empreendedorismo e gestão? O que falta?
No caso da ESPM, já existe no currículo atual disciplinas que trabalham marketing, empreendedorismo e gestão de mídia, além da oficina Empreendedor, uma atividade extracurricular em que o aluno pode propor um projeto empreendedor que recebe toda a assessoria de concepção e desenvolvimento por meio da Incubadora de Negócios da ESPM.
Os trabalhos de conclusão do curso também podem ser elaborados dentro da categoria Projeto Experimental de caráter empreendedor: trabalho no qual é desenvolvida uma proposta para implantação de um negócio jornalístico.
Pensando constantemente na formação de um aluno atualizado com os desafios do mercado de trabalho na área foi formatada uma nova grade curricular que se inicia 2020. As disciplinas foram pensadas também para contemplar a área de empreendedorismo e gestão como: “Fundamentos de Marketing”, “Marketing Estratégico”, “Empreendedorismo e Gestão em Negócio de Mídia”, “Planejamento em Negócios de Comunicação”, dentre outras ligadas à compreensão do mercado jornalístico.